O caso Ana Hickmann e a prisão por alienação parental: a Justiça a serviço da violência
Recentemente, a apresentadora Ana Hickmann trouxe a público possível violência doméstica perpetrada contra ela, na frente de seu filho, pelo então marido, Alexandre Correa. Caso comprovados tais fatos, temos, aqui, duas vítimas: Ana, que, diretamente, sofreu a possível agressão, e a criança, vítima indireta. Agora, em mais um capítulo dessa lamentável e triste história, Correa acusa a ex-mulher de alienação parental, e pede à Justiça que Ana seja presa. E, então, muitos se perguntam: depois de tudo o que foi divulgado sobre o caso, seria esta prisão possível?
Legislação brasileira e alienação parental
Vejamos: na contramão de outros países, o Brasil conta com a Lei de Alienação Parental (12.318, de 2010), que foi, inclusive, ampliada recentemente, sob a Lei 14.340, de 2022, abarcando, assim, o acréscimo das figuras da mudança abusiva de endereço e a inviabilização ou a obstrução à convivência familiar.
As medidas previstas para casos de alienação parental são:
Portanto, não há previsão de pena de prisão por eventual descumprimento nas regras do regime de convivência.
Leis Maria da Penha e Henry Borel
Há, também, em vigor no país, as Leis Maria da Penha e Henry Borel, que presumem a vulnerabilidade da mulher e dos filhos em ocorrências em que se configurem violências física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.
A Lei Maria da Penha estabelece, por exemplo, a opção, para quem sofre a agressão, de propor o divórcio ou a dissolução da união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Já entre as medidas protetivas previstas está “a restrição ou a suspensão de visitas aos dependentes menores, desde que com o acompanhamento da equipe de atendimento multidisciplinar ou de serviço similar”. Na prática, as medidas protetivas têm se limitado à questão da separação de corpos e o afastamento do agressor do lar conjugal.
Por sua vez, a Lei Henry Borel prevê a proteção de quem denuncia violência contra menores, assim como medidas protetivas aos agredidos, como a proibição do contato; o afastamento do agressor; a prisão preventiva nos casos de indícios de ameaça à criança ou ao adolescente que sofreu ou presenciou a violência; a inclusão da vítima em programa de proteção; e o atendimento gratuito por parte dos órgãos de Assistência Social.
A revogação da Lei de Alienação Parental nos casos de violência doméstica
Sabe-se que o Direito é uno e não contém contradições. Só que é importante reforçar, ainda, que, a legislação especial afasta a lei geral, por força do princípio da especificidade. Mais ainda: sendo a última atualização da Lei de Alienação Parental de 18 de maio de 2022 e a Lei Henry Borel datada em 24 de maio de 2022, houve revogação tácita da legislação de alienação parental nos casos em que esteja envolvida a prática de violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, ou mesmo nas hipóteses em que ela seja testemunha de violência doméstica – uma vítima indireta, como, possivelmente, aconteceu com Ana Hickmann e o filho, semanas atrás.
Em síntese, a revogada Lei de Alienação Parental não poderia ser aplicada, em tese, hoje, aos fatos noticiados pela apresentadora, e, ainda que assim não o fosse, a legislação em vigor no Brasil não prevê a pena de prisão. Logo, ao que parece, dizer o contrário significa desinformação e está totalmente divorciado do que o ordenamento jurídico garante a quem é submetida à violência doméstica no país. Mesmo não sendo perfeita e necessitando de ajustes, a lei brasileira ainda é o instrumento mais eficaz no combate às agressões cometidas contra o público feminino.
*Celeste Leite dos Santos é doutora em Direito Civil, mestre em Direito Penal, promotora de Justiça em último grau no Ministério Público (MP) de São Paulo, presidente do Instituto Pró-Vitima, e idealizadora da lei federal de importunação sexual.
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